"Especialistas reuniram-se no lugar simbólico de Hendaya e debateram a emigração nos anos 60. Foi uma jornada de olhar plural sobre um fenómeno marcante na sociedade portuguesa.
Na cartografia da emigração portuguesa, Hendaye é, de muitas maneiras, lugar simbólico por excelência. Lugar de liberdade – o passo de Hendaye era verdadeiramente a superação da “fronteira entre a mágoa e a França” (Manuel Alegre), espaço afluente de memórias da aventura trágico-terrestre que foi a emigração (um milhão e meio de portugueses entre 1957 e 1974) de que Hendaye, afinal, foi a grande placa giratória.
Essas perspetivas, esse exercício de memória em busca do tempo passado (sempre com o horizonte do presente e do futuro no pensamento) passou dominantemente pelo Colóquio Internacional sobre a Emigração Portuguesa dos anos 60, que no dia 16 se realizou em Hendaye, graças à vontade e capacidade mobilizadora de Manuel Dias. À volta dos temas em debate, juntaram-se historiadores, sociólogos, jornalistas, políticos, num diálogo que o embaixador de Portugal em Paris considerou de qualidade e extremamente interessante.
Na sessão de abertura, Manuel Dias lembrou que “Hendaye e a fronteira dos Pirinéus foram a porta da liberdade para esses milhões de portugueses e espanhóis que fugiram das ditaduras de Franco e de Salazar para buscar trabalho e viver em liberdade”. Manuel Dias explicou que esta iniciativa era, também, uma maneira de “homenagear esses milhares de portugueses que contribuíram para construir e enriquecer a França e escreveram páginas das histórias de França, de Portugal e da Europa dos povos e dos cidadãos”.
A importância deste colóquio, nas suas múltiplas dimensões culturais, com destaque para a articulação histórica, social e económica com a França, foi destacada pelo presidente da Câmara de Viana do Castelo, José Maria Costa, Luc Gresson, diretor da Cidade Nacional da História da Imigração, Pompeu Martins, da Câmara de Fafe, Leão Rocha, cônsule português em Bordéus e Jean-Baptiste Sallaberry, maire de Hendaye, que também deu as boas-vindas aos participantes.
Numa longa jornada de debates, com qualificados especialistas nos domínios da história e da sociologia, foi possível fazer uma introspeção às problemáticas da emigração, designadamente sobre as origens da emigração portuguesa para a França e a Europa, com um enfoque da longa duração do fenómeno por Maria Beatriz Rocha-Trindade, as diferenças entre a emigração portuguesa e a espanhola para França, vista à luz dos tratados, analisadas por Victor Pereira, historiador que acaba de publicar um interessante livro: La dictature de salazar face à L’emigration – L’Etat portugais et ses migrants en France (1957-1974), ou a historiadora Marie-Christine Volovich Tavares, que explicou bem como a “emigração portuguesa foi uma emigração de rutura”, pelas suas particularidades políticas e sociais.
Outro tema em discussão foi os contributos da emigração portuguesa à sociedade francesa, com o sociólogo Albano Cordeiro a sublinhar o aspeto das relações sociais e o associativismo, o jornalista Carlos Pereira falando das mudanças de qualidade verificadas entre a primeira, a segunda e a terceira gerações e Jorge Portugal Branco, outro sociólogo, a mapear o dinamismo das relações entre os dois países, a partir do fenómeno migratório.
No painel que debateu o papel da emigração portuguesa na economia do país de origem, foi interessante ouvir Isabel Ferreira, diretora do Museu da Emigração e das Comunidades , o único deste tipo existente em Portugal, falar do trabalho de preservação da memória no universo migratório, do deputado Carlos Gonçalves caracterizar as mudanças operadas na comunidade portuguesa de França, ou de Paulo Pisco, outro deputado, estigmatizar o conceito que olha para a emigração como produto de exportação." (...)
"A emigração, mau grado a sua condição de fenómeno de longa duração, historicamente marcante, continua a ser uma coisa obscura na sociedade portuguesa, espécie de fantasma que paira sobre a realidade. A década de 60, que era o horizonte temporal do debate, com a saída de um milhão e meio de portugueses, configurou o território ao país das ausências.
Em boa verdade, instalou-se ao longo do tempo uma retórica económica que, em certa medida, reduzia a emigração portuguesa às remessas – é a economia, estúpido! – que foram uma cornucópia de vultuosos cifrões, muito antecipadora dos fundos comunitários. Isso produziu uma imagem distorcida das coisas e uma leitura minimalista de um fenómeno estrutural com implicações, também, nos domínios da demografia, do imaginário, da paisagem física e humana, e, sobretudo, da mentalidade.
Estão por apurar, em toda a sua extensão, as implicações da mudança, certamente contraditórias, articuladas à escala do território, com notável influência no espaço simbólico: traços de um confronto inscrito na psicologia coletiva. A presença massiva de portugueses na Europa, em países de matriz democrática, traduzia-se em experiências de vida que eram gritos de liberdade no “Portugal amordaçado”. As ausências transformaram-se, assim, em presença de utopias, de desjo e liberdade.
A emigração persistiu como fenómeno fugidio e rodeado de silêncios. No JF, há muitos exemplos de cortes de censura sobre os diversos tipos de “salto” e alguns os mostrei, em Hendeye, para espanto dos circunstantes.
O mito do Brasil, criado à volta da emigração intercontinental, produziu o grande romance A Selva, de Ferreira de Castro; a grande saga da emigração para a Europa está, em larga medida, por escrever, por ler, por conhecer.
Daí, também, a importância deste Colóquio de Hendaye que, como pude dizer lá, deverá continuar em 2013 no Fundão, como coração da Beira, para debater as sombras e a luz que incidem na memória: na literatura, no cinema, na fotografia, na sociologia, na mentalidade, na mudança. E, questionando-se, questionar a Europa. No próximo ano, no Fundão..."
Fernando Paulouro Neves in Jornal do Fundão +